É numa Londres dos anos 1980, sob o comando de Margaret Thacther como primeira-ministra do Reino Unido, que é ambientada a minissérie da HBO Max, “It’s a Sin”. É importante, antes mesmo de falar sobre a série em si, que entendamos o contexto histórico – principalmente político – onde toda a trama primorosa de criação do Russell T. Davies é ambientada.
Essa Londres de Thacther, que manteve homossexuais e judeus em seu governo, apesar das muitas pressões contrárias a sua decisão, que dizia que só se importava que seus subordinados executassem bem seus trabalhos – inclusive possuía um de seus ministros reconhecidamente gay, o Earl of Avon – também matou muitos homossexuais. Apesar de toda postura de Thatcher, que também apoiou o projeto de lei de Leo Abse para a descriminalização da homossexualidade masculina, ela falhou em proteger toda essa comunidade, parte do seu dever público.
Embora Margaret Thacther fosse tolerante com a presença de gays em seu governo e tenha votado contra a descriminação da homossexualidade, deu aval à controversa Seção 28, uma emenda a um ato de 1988 que muito agradaria o desgoverno brasileiro, pois proibia a “promoção nas escolas de qualquer material que apresentasse a homossexualidade como natural e casais homossexuais como relacionamento familiar.” Foi somente duas décadas depois desse famigerado acontecimento que o ex primeiro-ministro David Cameron, condenou a citada seção, fortemente ofensiva aos LGBTQIA+ britânicos, e pediu desculpas à população gay do país. Tarde demais.
O importante de se pontuar todas essas informações ao falar de “It’s a Sin” é que elas são personagens da série, ainda que silenciosas ou muito pouco citadas durante o enredo. Pois numa minissérie onde a epidemia de HIV da década de 80 entre homossexuais é foco central da trama é imprescindível que se observe as políticas públicas da época, antes de qualquer outro fator, acontecimento ou desdobramento ficcional. Sempre serão elas as responsáveis por tantas mortes na época, não apenas o pouco conhecimento sobre a doença. Porque a vergonha, o negacionismo e o não olhar dos governantes para a comunidade LGBTQIA+ matou e continua matando ao redor de todo mundo. A negação da existência, como fez Margaret, é personagem de “It’s a Sin”.
Desenvolvida pela Red Production Company a minissérie de cinco episódios se passa entre os anos de 1981 a 1991 em Londres e retrata a vida de um grupo de gays e seus amigos que viveram durante o aparecimento do HIV para o mundo. Eles formam um grupo de amizade forte, jovem e cheio de sonhos que são interrompidos pouco a pouco pelo agravamento da pandemia. A história começa quando Ritchie, vivido pelo fenomenal Ollie Alexander, se muda de uma pequena cidade para Londres, onde sonha em estudar teatro e se tornar uma estrela. Já os sonhos de Colin, vivido por Callum Scott Howells, são mais simples, apenas arrumar um bom trabalho. O de Roscoe, vivivo por Omari Douglas, não é bem um sonho, já que expulso de casa após a descoberta de sua homossexualidade, precisa aprender a se virar em Londres.
Os caminhos desses três personagens ilustríssimos acabam se cruzando e se entrelaçando de maneira permanente por conta de Jill, vivida pela fenomenal Lydia West e Nash, vivido pelo Nthaniel West. Daí em diante o que temos é uma sequência de muita luta, festejos e, obviamente, romances e sexo. Infelizmente, os momentos de prazer do grupo são fortemente minimizados com a chegada da notícia de uma nova doença gay, totalmente desconhecida, que anda matando membros da comunidade. Inclusive a primeira vítima na trama é o colega de trabalho de Colin, vivido pelo Neil Patrick Harris, em uma participação especial e emblemática para todo o enredo. O que acontece a partir desse ponto é uma espiral de emoções fortíssimas, sublimemente desenvolvidas no impressionante roteiro de Russell T. Davies.
As festas, as cenas de lascívia, os momentos de protesto diante do pouco caso do governo inglês para as mortes em decorrência da AIDS, todos os retratos de vida e de morte são excepcionalmente retratados pelo elenco, que merece em sua totalidade, todos os louros pelo maravilhoso trabalho de entrega realizado. Olly Alexander, Omari Douglas, Callum Scott Howells, Lydia West, Nathaniel Curtis e David Carlyle são precisos e assertivos em cada personagem. Todos muito bem amparados por uma direção de arte impecável, fotografia poética e trilha sonora ímpar.
“It’s a Sin” é uma série doce, mas profundamente emocionante e dolorosa, já que nos faz lembrar a importância que a vida LGBTQIA+ tem e – infelizmente – continua tendo para sociedade e nossos governantes. Graças aos avanços da ciência e o constante trabalho de educação interno na comunidade já não se morre em decorrência do HIV como no passado. Mas, as violências praticadas pelos poderes públicos para com a comunidade ainda são feridas abertas e permanecem distantes de cicatrizar.
A minissérie “It’s a Sin” merece não apenas atenção, mas muitos aplausos!
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