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Foto do escritorMelissa Yoshikawa

CARTA PARA ELAS/DELAS


Imagem: Divulgação

Dia da mulher, o dia que se lembra e exalta a luta e resistência feminina, diante tanta opressão e machismo repercutidos pelos séculos. E hoje vim saudar a todas as mulheres e mais do que isso, venho reafirmar que precisamos estar juntas e nos acolher independente de segregação genital. Venho por meio deste parabenizar a todas e enfatizar o óbvio, que as mulheres trans também entram nessa parabenização, e como Cis não vamos desrespeita-las em nenhum dia, mas principalmente neste, por que a sociedade já faz isso o tempo todo sem nem precisar do nosso apoio. E você, travesti, como Linn da Quebrada gosta de ser chamada, não é a carga negativa da palavra e sim a ressignificação dela, não carregue em tuas costas o que é ruim e marginalizado pela sociedade e sim sua beleza de mulher, seu respeito merecido e seu amor que ninguém pode lhe tirar, lembre-se que todos aqueles que atiram pedras tem teto de vidro e não conseguem nem sustentar o que querem comer no almoço, quanto mais dar a cara a tapa para ser feliz.


Vamos respeitar o nosso dia, é até redundante ter que repetir tudo isso, porém necessário, pois mesmo sendo mulheres a sociedade ainda faz questão de apagar e diminuir seus valores, e precisamos dizer um basta para esse movimento. Identificação de gênero é o mais importante diante tudo, não importa se tem pau entre as pernas ou não, se tem um peito ou dois, o que realmente importa é como se identifica e se mais importante ainda é se amar e ser amada pelo que se é.


Assim como Xica Manicongo que preferiu se amar e se negou a travestir (como homem) do que não lhe representava, por pura imposição da igreja e da sociedade, foi ela mesma até o fim, levantando todos os questionamentos que inclusive causaram lhe sua morte. Escrava, preta e a primeira travesti não indígena do Brasil que foi apagada pela história, mesmo trazendo em seu nome a representação da realeza, Manicongo que era o título dos governantes do Reino de Congo, não foi suficiente para ser lembrada e durante anos sua história foi assassinada e esquecida.


Não deixaremos passar por aqui sua memória em branco e não permitiremos que apaguem a importância ou a representação dela e de todas as outras que vieram. Por todas que são mortas em vielas todos os dias, afinal vivemos em um país extremamente transfóbico que segundo os dados do Transgender Europe de 2021 continua na liderança mundial de assassinatos de pessoas trans, onde 96% delas eram mulheres trans ou transfeminadas.


País esse onde as pessoas se perdem e esquecem de olhar as estrelas como já diz As Bahias em “Das Estrelas” que traz um clipe extremamente triste, mas infelizmente uma representação do que é ser travesti, o que é ser escondida pelo tão “viril” homem e no fim ser assassinada pela vergonha que ele tem dele mesmo e projeta na vida marginalizada e pouco valorizada pela sociedade. Onde existe o “direito de assassinar”, como se uma vida trans não fosse importante, mas estou aqui para dizer ao contrário e que não nos perderemos, não vamos mais deixar isso acontecer.


Por que se não dói em você, olhe pra dentro e não se esqueça que você também é culpada/o disso tudo, que alimentamos essa segregação e permitimos que isso aconteça todos os dias, que 11 vidas sejam veladas a cada mês. E se você acha que não, olhe ao seu redor quantas mulheres trans estão, trabalhando, estudando e vivendo. O quanto você se preocupa em conhecê-las e entender suas dores, reveja os seus conceitos, por que se você mulher não consegue ver uma travesti como sua igual estou aqui no meu local de mulher cis para reafirmar que sim elas são. Tão mulher e tão no direito como eu e você, vamos abraçar e acolher aquelas que todos tentam apagar, para que outras Xicas não sejam queimadas em fogueiras e depois esquecidas e desvalidadas.


Nessa luta de invisíveis temos outros grandes nomes que precisam ser citados e que nós precisamos lembrar, conhecer e reconhecer como a Miss Major Griffin-Gracy, mulher negra e defensora dos direitos trans, ativista que mesmo com a vida sofrida e periférica do que consideramos o mínimo para ser o ideal foi um grande nome na rebelião Stonewall, movimento nos EUA onde comunidades LGBTQIA+ fizeram um enfrentamento ao sistema, por estarem cansadas de serem espancadas e queriam uma vida com o básico, respeito.


E se hoje elas tem a liberdade de sair na rua saiba que outras vieram antes levando muita porrada, infelizmente literalmente para conquistarem o que já deveria ser delas. Que precisaram existir várias outras para que o movimento ganhasse força e lugar, assim como Marsha P Johnson, mulher negra também muitas vezes esquecida e colocada de lado assim como quase todas as citadas anteriormente, mas lenda dentro da comunidade LGBT em Nova York e criadora do grupo Street Transvestites Action Revolutionaries (S.T.A.R.) que teve seu corpo encontrado boiando num rio e foi declarada como suicídio pela polícia, tendo sua identidade assassinada bem como sua história também por muitos anos. E eu poderia fazer uma imensa lista de pessoas importantes que fizeram acontecer e que são caladas pelos anos de opressão.


Meu intuito hoje não é só parabenizar mas lembrar de todos os nomes como Ruddy, cabeleireira das estrelas que fez sucesso num momento que a sociedade era muito mais fechada, mas mesmo assim conseguiu reconhecimento pelo seu trabalho ou Cláudia Celeste que foi a primeira mulher trans a aparecer na TV, saindo das margens e atuando no centro. Nomes estes que levaram a outro patamar a aceitação social das mulheres invisíveis.


Venho também deixar bem claro que por mais que nós mulheres cis tenhamos nossos pontos de invisibilidade e de dificuldades diante ao machismo estrutural, não se compara com as mulheres que nasceram no corpo errado, ainda perante tanta homofobia, e se não é fácil para você mulher cis, padrão, imagine para aquela que é invisibilizada dos dois lados, que não consegue uma sustentação nem segurança em nenhuma das comunidades por que não é “mulher suficiente” e nem “homem suficiente” para estar em um espaço, discurso esse passado erroneamente e sustentado pelos extremos como se realmente elas não fossem o suficiente para nada, quando eu posso afirmar que são muito mais "mulher" (Fazendo o comparativo da expressão machista de ser homem) que muitas que conheço. Pela força, pela garra, pela atitude, pela luta constante e por não desistirem. E estamos num patamar de igualdade, inclusive local por mim colocado com admiração por que não é fácil ser mulher no Brasil e o que elas fazem é resistir todos os dias, o máximo possível, inclusive com expectativas de vida baixíssimas.


Precisamos falar também sobre a aceitação dentro das comunidades, onde você homem, inclusive você homem gay, precisa se desarmar desse seu machismo que é tão forte e incrustado na comunidade e baixar sua bola, por que não é por ser homem que é melhor que ninguém ou que não pode respeitar a POC, a afeminada, e a mulher. Coloque a mão na consciência e ressignifique o dia de hoje, com um momento de reflexão sobre quem você está sendo e no que você está reforçando com seu discurso engessado, machista, misógino e transfóbico.


E para você mulher que está lendo esse meu texto, saiba que você não está sozinha em momento nenhum, que por mais que os extremismos tente te apagar, você nunca será invisível, por que a força que carregas é maior do que pensa e não é só na esquina que deves trabalhar e não é na rua que deve morar, não dá pra abraçar o mundo e acolher a todas, mas tenho certeza que se cada um puder acolher aquela que está perto e enchê-la de amor pode ser mais que o suficiente, pois da rosa não quero te dar o espinho e sim a flor junto com seu cheiro inebriante.


Tu não precisas ter a flor e não precisas receber espinhos.



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